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terça-feira, 22 de março de 2011

Das escolhas Tereza Freire - 27 de Novembro de 2010

Os cães podem ser grandes professores de Yoga. Aprendemos muito só de olhar para eles. Estão sempre alerta, sempre atentos a tudo, sempre presentes, sempre no aqui e no agora! Suas mentes não guardam lembranças nem tão pouco fazem projetos para o futuro nem para quando a aposentadoria chegar.

Eles simplesmente são. Simplesmente estão. Nos momentos em que descansam, estão sempre atentos. Sempre prontos ao menor sinal de perigo. Possuem instintivamente aquela atenção relaxada, aquele conforto na tensão, que buscamos na prática de asana: sthirasukham.

Agem através do instinto e não do discernimento, por isso não podem escolher ser vegetarianos ou praticarem hatha yoga. Mas em seu amor incondicional, em sua entrega devocional, são grandes karma yogis.

Cães que foram abandonados e adotados são pura gratidão. Puro santosha, puro contentamento, abanando o rabo e sempre prontos a nos proteger e amar. Olham profundamente em nossos olhos com uma sinceridade ímpar, e assim, nos mostram o quanto são gratos e aceitam, literalmente, qualquer migalha como se fosse o melhor presente do mundo.

Estar ao lado deles tem sido uma das mais freqüentes escolhas que tenho feito ultimamente. Muitas vezes deixo de ir a festas ou cursos que certamente me enriqueceriam muito para ser recebida por duas cadelas em um sítio onde me recolho todos os fins de semana.

Perco shows, palestras, retiros, cursos e viagens e ganho mato, rio, amor, silêncio, paz. Escolhas... Sei que cada escolha implica em perdas e sinto pelas coisas que deixo de fazer, mas recebo os frutos das minhas escolhas e aprendo com eles. Me pergunto sempre se é necessário viajar, de fato, pra conhecer o mundo.

Saramago já dizia que não é preciso sair da ilha para se descobrir a ilha. Me pergunto ainda se é preciso ter um mestre vestido de laranja. Ou ainda, se é fundamental o estudo das escrituras para me iluminar.

Quando acordo com o sol e saio descalça na terra pra assistir ao desfile de pássaros ao amanhecer, tenho fragmentos de samadhis, em que abandono qualquer identificação com meu corpo e me transformo naquilo que vejo e ouço, nos pássaros, no rio, nas árvores, no sol.

Quando vejo o desabrochar de uma flor que plantei, ou quando rego os jardins que inventei, me transformo na água que rega as flores e viro chuva, e me esqueço de nomes, de profissão, endereço e apenas sou.

Aprendo lições com a chuva, com a lua e as estrelas. Longe de TV, de DVDs, de computador, internet, e tudo aquilo que na cidade consome meus sentidos, consigo sentir a presença eterna, plena e ilimitada que sou.

Na cidade, minha meditação compete com uma quantidade enorme de estímulos. No mato, tudo leva para dentro. Tudo nos leva a meditar. Ter um rio passando constantemente diante de seus olhos nos leva a refletir sobre a impermanência da vida a cada segundo, a cada volta que o rio dá.

A natureza mudando descaradamente diante dos olhos, sem o menor pudor. Sem disfarces, botox ou photoshop. Escancarando as nossas mudanças diárias, a cada lua, a cada amanhecer, a cada chuva.

E a gente ali observando, aprendendo com cada movimento, com cada momento. No entardecer, o quanto pode um por do sol nos ensinar se soubermos olhar. O mesmo rio, os mesmos pássaros, mas tudo completamente diferente.

Então, compreendo que os ensinamentos das escrituras visam preservar uma tradição, mas a compreensão do conteúdo destes ensinamentos também podem vir da prática, de um profundo contato com a natureza, de grandes períodos de silêncio, ao lado dos animais, plantando e colhendo de forma orgânica, vivendo com o que se produz, reciclando, fazendo compostagem, produzindo a menor quantidade possível de lixo.

Amando e respeitando, reverenciando todas as estações do ano, nutrindo e preservando a natureza como um Swami faz com a sua tradição, também pode ser uma escolha.

Namaste!

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